Helmut Newton: o homem que amava todas as mulheres
Neste trabalho,
procurei explorar as figurações do corpo feminino na vasta obra fotográfica d e
Helmut Newton, reflectindo sobre as várias fases da
mesma, de modo a caracterizar o seu imaginário transposto nas suas fotografias.
Será nosso objectivo, reflectir sobre o tratamento de Helmut Newton da figura
da mulher e como ele no-la apresenta, destacando as suas intenções, o design de
ambientes, a sua intencionalidade cénica na construção de fotografias
compostas.
Deste modo, abordarei
os seguintes tópicos no corpo do trabalho:
1. a relação entre as divisas do corpo na
antiguidade grega e na contemporaneidade;
2. a performatividade
das fotografias de Helmut Newton: dimensão teatral e vertente representacional do corpo;
3. os processos
criativos de trabalho: modalidades de trabalho vs. relação profissional e
contemplativa que tem com os seus modelos, contrariando o princípio da ligação
directa entre arte e vida;
4. a influência de
Newton na fotografia contemporânea: o modo como a sua obra inspirou e estimulou
as gerações futuras, mas também como a partir dela se fizeram novas obras
consubstanciadas em remakes das suas
fotografias;
O
fotógrafo
I like photographing the people I love,
the people I admire, the famous,
and especially the infamous.
Helmut Newton
1. Intro
Neste trabalho
procuraremos aprofundar, tanto quanto nos for possível, o olhar sobre a obra
fotográfica de Helmut Newton, reflectindo sobre as seguintes questões: a
exaltação do corpo feminino vs o servilismo e a submissão do corpo feminino ao ethos masculino os arquétipos de beleza
do corpo feminino numa escala temporal que percorre a contemporaneidade mas que
nos remete para a Antiguidade Grega, a dimensão
performativa das suas fotografias e, na sequência, a potencialidade
teatral através de um trabalho apurado sobre o aspecto representacional do
corpo, mas também sobre a carga erótico-sexual das suas imagens pictóricas que
despertam desejo, ao mesmo tempo que possibilitam a retirada de um prazer
individual, por vezes secreto, por vezes difundido, outras vezes ainda por
descobrir, qual ressonância íntima na libido, já que a sua obra é, muitas vezes,
conotada pelo universo porno-chic (nas
suas alusões
sado-masoquistas e fetichistas), produtor de um universo fotográfico assente no
glamour, luxo, volúpia e
provocação.
A ruptura que o trabalho de Newton, entre outros,
representou relativamente à fotografia clássica (nos campos da moda e do
retrato, mas não só) aproximou-o da arte fotográfica sobre o corpo de uma
mulher. "Adoro e procuro reacções, não gosto de gentileza ou delicadeza”.
A provocação não surge da necessidade de provocar, mas alguns temas são
necessários para criar efeitos fotográficos, novas tensões visuais", disse
Newton numa conferência de imprensa em 1984.
Provocação?
“Eu adoro a vulgaridade. Na verdade, sou atraído
pelo mau gosto, que me parece bem mais excitante que o pretenso bom gosto, que
nada mais é que a normatização do olhar”, provocava Helmut Newton.
Do seu
álbum, fazem parte fotografias feitas desde a década de 60, que capturou com
erotismo e sofisticação figuras como Catherine Deneuve, Liz Taylor, Cindy
Crawford e Isabella Rossellini e criou imagens icónicas do universo
da fotografia de moda.
Provocativo, Helmut buscava a libertação do constrangimento e dos limites convencionais do quadro imposto pela estética fotográfica de sua época. O resultado são imagens fortes e ao mesmo tempo repletas de subtilezas. Obras que inspiraram todas as gerações posteriores da fotografia de moda, a que já lá iremos.
Provocativo, Helmut buscava a libertação do constrangimento e dos limites convencionais do quadro imposto pela estética fotográfica de sua época. O resultado são imagens fortes e ao mesmo tempo repletas de subtilezas. Obras que inspiraram todas as gerações posteriores da fotografia de moda, a que já lá iremos.
1.1. Ressalva metodológica
À falta de
fontes primárias de consulta aprofundadas e desenvolvidas relativamente à sua
obra, optámos por realizar um trabalho baseado na interpretação pessoal e
directa no confronto directo com algumas das suas obras, seguindo a esteira de
Umberto Eco na sua obra Obra Aberta (1962),
que transformou indelevelmente as estéticas de recepção no campo artístico
(literatura incluí
da),
no modo como alargou as “possibilidades
interpretativas” de uma obra singular.
Eco, diagnosticando que as artes contemporâneas se
desprenderam quase totalmente dos conceitos técnicos e estéticos pelas quais as
práticas artísticas anteriores se regiam,
perdendo, desta forma, a leitura de significado unívoco que até então
lhes era maioritariamente comum. Esta característica das artes contemporâneas
vem acrescentar à obra um factor de ambiguidade e de multiplicidade de
interpretações, podendo ser visto como uma conquista ao nível da recepção, já
que a partir daqui os artistas não podiam ambicionar a um controlo total dos
efeitos e leituras das suas obras.
Apesar deste factor pessoal e individual (assim
sendo, interpretativo) inserido na obra, esta tem que conseguir criar um elo com o fruidor e
para isso é necessário que contenha certos elementos básicos de comunicação que
sirvam como ponto de partida para que o
receptor possa seguir o seu caminho a nível de interpretação e tirar então
também, algo pessoal e individual da
obra. Assim nasce o conceito de “obra aberta”, existindo uma ponte entre o
criador e o fruidor, em que este último poderá criar o seu próprio caminho
(conduzido pelo primeiro) dentro da
multiplicidade de sentidos da obra, contribuindo assim para a criação do
sentido da mesma.
Senão vejamos.
Umberto Eco e sua a possibilidade da Obra Aberta, sugere que todas as
obras de arte, acabadas ou não, são abertas, uma vez que podem ser
interpretadas de diversas maneiras, dependendo apenas de quem as observa. Ou
seja, uma peça de arte é um objecto de “leitura” individual.
Quando o autor
utiliza a expressão “obra aberta”, esta não tem uma conotação crítica,
mas sim uma conotação adjectiva para a Arte
Contemporânea, seja ela literatura, pintura,
música, entre outros. Ele defende- se ainda através de inúmeros exemplos, para
demonstrar a lógica no seu raciocínio.
Este livro foi escrito numa altura em que a arte europeia se
“revolucionava” contra o que existira até aí. Os artistas criavam peças
inacabadas, que só ficavam verdadeiramente concluídas no imaginário do público.
2. Auto-retrato
Helmut Newton
Helmut
Newton é um dos maiores nomes da
fotografia de moda do século XX e que teve a sua primeira retrospectiva depois
de sua morte, em 2004 no Grand Palais, em Paris. Uma mostra que conta com mais de 200
fotografias de um artista considerado sensível e provocador, que capturou
beleza, humor, erotismo - e às vezes violência – apreendidas e apercebidas numa
interacção social entre os mundos da moda, do luxo, do dinheiro e do poder.
A importância do fotógrafo alemão, nascido judeu,
para a imagem é incalculável.
Vivendo épocas de grandes mudanças sociais usou a
criatividade de forma irreverente, chocante e provocativa para criar
suas fotos, que foram destaque em revistas como a Vogue alemã, francesa ou
italiana e para retratos e campanhas publicitárias de grandes estilistas como
Yves Saint Laurent e Karl Lagerfeld, mudando a cara do mercado de luxo.
Ele será lembrado por criar os registos de uma mulher
forte, desafiadora, que usa o corpo como “arma” contra os tabus.
Nascido em Berlim, na
Alemanha e filho de um fabricante de botões judeu-alemão e de uma americana,
Newton fugiu do seu país natal em 1938, aos 18 anos, durante a perseguição
nazista. Desde cedo interessado por fotografia, Newton refugiou-se em Singapura,
onde trabalhou como fotografo para o Straits Times. Depois instalou-se em Melbourne, onde mais tarde
tiraria a sua cidadania australiana.
Entre idas e vindas mundo a fora, morou
em Londres, Paris (cidade onde ganhou notoriedade por trabalhar na Vogue
francesa), Monte Carlo e foi em Los Angeles, que viveu os seus últimos anos,
até que em 2004 sofreu um acidente de carro que colocou fim à sua vida.
1. As divisas do corpo na contemporaneidade vs.
antiguidade grega
Quando Helmut Newton
começou a fotografar as mais altas, mais atléticas e sensuais modelos, não sabia
que, séculos antes os gregos antigos já as tinham tornado um mito. De acordo
com o mitologia grega, as Amazonas eram mulheres guerreiras da Ásia Menor. Elas
eram fortes, destemidas e peritas em caça e matança.
Nalgumas versões do
mito, a nenhum homem era permitido ter relações sexuais ou residir no
território (país) das Amazonas, mas uma vez por ano e para evitar que se a sua
raça desaparecesse, elas visitavam uma tribo de homens vizinha para terem
relações sexuais com fins reprodutivos.
Dos nascimentos
ocorridos, as crianças do sexo masculino que resultariam destas visitas eram mortas
ou enviadas de volta para os seus pais ou empurradas para o deserto,
abandonadas a si próprias. Já as fémeas eram mantidas pelas mães de Amazon e
treinadas para actividades agrícolas, assim como para a caça e a arte da
guerra.
Noutras versões do
mito, e quando as Amazonas entravam em guerra, o intuito não era matar todos os
homens, mas em vez disso converter alguns como escravos para que pudessem, uma
ou duas vezes por ano, usá-los para o sexo procriativo.
Esta história elaborada
pode parcialmente explicar porque nós ainda somos transpostos através da mira/lente
de Helmut Newton para as mulheres da Amazónia.
Nós podemos admirar o
brilho técnico da sua fotografia, mas é a visão surpreendente desta sub-espécie
rara do ser humano, as vencedoras de uma lotaria de DNA que nos mostram as suas
invejáveis longas pernas, maçãs de rosto geométricas e rostos perfeitamente
simétricos. Numa vida anterior, estas
mulheres poderiam ter passado os seus dias caçando homens para o seu deleite
sexual ou para a prática desportiva. Hoje em dia, estas mulheres, segundo as
leis de mercado fetichista, são pagas a milhões de dólares para serem
fotografadas, assegurando que a mitologia da mulher amazónica continuará imprevisivelmente
por centenas de anos.
Num dos
capítulos do documentário “Provas de contacto”, Helmut Newton descreve uma
sessão fotográfica que realizou com uma mulher que tinha conhecido. A sessão
fotográfica realizou-se na casa dela. Nessa sessão, Newton pediu à mulher que
acedeu para subir as escadas como um cão, com as pernas e os pés atados. Quando
esta fotografia foi exposta, muitas pessoas se opuseram quanto à submissão do
seu corpo aos seus desígnios, relembrando as contradições discursivas de Newton
relativamente à potência da sua imagética poder contribuir para a libertação da
mulher. Porém e respondendo a isso, Newton confessa que a mulher tinha adorado
fazer aquela sessão fotográfica, demonstrando que a percepção é muitas vezes
limitada à tábua axiológica de cada um e que ele apenas seguiu o seu instinto
criador, desafiando-a, não pressupondo qual seria a sua reacção.

Sie Kommen (Elles arrivent), Vogue France, Paris,
1981.
Dominadoras, independentes, amazonas estonteantes, as modelos de Newton
aparecem sempre em poses provocativas e pouco óbvias. Suas fotografias evocam
elementos do sadomasoquismo, sobretudo como parte integrante de um universo
requintado e profano, no qual o poder e o dinheiro ditam as regras da sexualidade
levada ao extremo. A exposição coloca em evidência esse apelo do corpo feminino
retratando um tipo de mulher politicamente incorreta, provocante e consciente
de sua imagem fatal. “Ele transformava as modelos em estátuas de Vênus, e, por
meio de sua obra, a história da nudez clássica atingiu o apogeu contemporâneo”,
diz Jérôme Neutres, curador da mostra.
Nascido Helmut Neustädter em Berlim, Alemanha, em 1950, mudou-se para
Londres e em seguida para Paris. Na cidade, as suas fotografias para revistas como Vogue e
Harper’s Baazar tinham a marca do seu génio – fetichismo e erotismo no limite. O
seu trabalho levaria-o a Nova York, onde ele consolidaria a sua reputação como
um dos maiores fotógrafos de moda em todos os tempos. Helmut Newton morreu a 24
de Janeiro de 2004, aos 83 anos, quando perdeu o controle do seu Cadillac e
invadiu o muro do hotel Château-Marmont, em Los Angeles. Até ao fim, a sua vida
foi marcada pelo glamour.
Paloma Picasso, Charlotte Rampling, Naomi Campbell, Elizabeth Taylor, Isabelle
Huppert, Cindy Crawford, Eva Gardner… todas as mulheres que importam, em
diferentes épocas, posaram para as lentes de Helmut Newton, com e sem roupa. A
actriz francesa Catherine Deneuve conta que não se lembra ao certo em que
circunstâncias a sua fotografia foi tirada. Registou apenas que ele foi até a
sua casa, abriu o seu guarda-roupas, escolheu uma camisola de seda, algumas
joias e começou a fotografá-la. “Ele tinha a insolência de um dandy, mas sem
jamais ser invasivo”, diz. A foto mostra Deneuve em 1976, exalando sensualidade,
com um cigarro pendendo da sua boca. Uma obra clássica, que enquadra todos os
elementos do seu estilo marcante.
Helmut afirma, no Dvd de Provas de contacto, aos 04:10 minutos, “O que
tenho de fazer é só carregar no botão, é uma câmara que qualquer amador compra,
está tudo aqui (apontando para a cabeça), aos 06:40, “Gosto da palavra
poderosa, sempre gostei de mulheres fortes, porque me sinto seguro, aos 08:45
minutos, “ Eu não gosto de mulheres 100% femininas, eu gosto de mulheres um
pouco andrógenas, quando se sente a força.”
Análise de fotografias de Helmut Newton
1.

Sans titre, 1975
Nesta
fotografia vemos uma mulher nua que usa
apenas uns sapatos de salto alto vermelhos, que evoca um mundo, não de
realidades de mau gosto e perecíveis, mas de tintas acrílicas e vernizes de
brilho duradouro. Esta mulher está a ser abraçada por um homem, que veste um
smoking preto. Verificamos que ele cedeu
a sua gabardine para proteger esta mulher das folhas secas e do chão.
Nesta
fotografia os personagens são compostas numa espécie de mise-en-scène, percebemos que existe uma cumplicidade entre estas
duas pessoas de vido à forma como se abraçam.
Newton
é mestre em alcançar um equilíbrio entre as suas imagens entre as figuras que
participam e o elemento de design e o plano de fundo sempre constitui uma forte
contribuição sem se sobrepor às modelos.

Berstrom over
Paris, 1975
Esta fotografia mostra-nos a modelo Gunilla Bergström
reclinada, nua mas com uns sapatos de salto alto cinzas, brincos de diamante e
pérola e com baton vermelho, na frente de uma janela de vidro. Ela olha para o
seu reflexo no espelho. Aqui o cenário é imponente, vemos a cidade de Paris
através da janela do quarto desta mulher, edifícios de Paris aparecem cá em
baixo.
Este é um tema recorrente nas suas fotos, uma mulher a olhar
para ela própria num espelho num momento muito privado. Ela é ou muito nova e
admira a sua beleza ou mais velha e faz um exame crítico de si própria.
3. O corpo revestido , estilizado e
preparado vs corpo descontraído no contexto da praia.

Yves Saint-Laurent Magazine Stern Saint-Tropez
(1978)
Aqui é-nos
dado a ver uma mulher elegantemente vestida de preto com uma encharpe
ornamentado com pedras coloridas, portando um chapéu excêntrico composto igualmente
com uma pedra colorida.
Deste modo,
estamos perante um contraste entre esta mulher e o espaço da praia, local cheio
de pessoas em biquinis e fatos de banho, mulheres em topless com pele bronzeada
em Saint-Tropez, como se nos fizesse lembrar do que será o dia e a noite,
prolongando o lado glamouroso e lúdico
da noite, das festas e transformação das pessoas nesses contextos.
Parece-nos ser
tão intencional essa proposta de leitura que arriscamos a dizer que a mulher
que está em segundo plano e de pé com um cigarrilha na boca foi lá colocada, mostrando, e através de contraste, outra
dimensão do glamour: pequenos prazeres na praia, estando o seu corpo despojado
de revestimento encobridores e enganadores de personalidade. Esse detalhe também
nos mostra, em caso de sublimação, que nos encontramos em Saint-Tropez com este
pormenor.
Outro aspecto
a ressalvar é a banalidade perceptiva do corpo desnudado na praia vs. o corpo revestido
em contextos espaciais e sociais protocolados pela encobrimento, daí a
relevância do facto da mulher vestida estar em primeiro plano.
Vislumbramos
esta fotografia e assalta-nos imediatamente a questão: Porque é que as pessoas
dão mais importância a uma perna cruzada com umas meias de ligas que se
desvenda por baixo de um vestido do que a um corpo totalmente desnudado numa
praia com um biquini ou apenas um fio dental?
4.

Calendrier
Pentax Saint-tropez 1976
“Há
algo de muito formal e contido sobre um piscina, é como fotografar uma
paisagem, um lago privado especialmente bonito à noite” – Helmut Newton
Nesta
fotografia estão duas mulheres alinhadas simetricamente numa piscina em Saint
–Tropez. Newton também afirmava que sempre captava uma mulher está acima da
linha da água, seja deitada num colchão ou a mergulhar, queria fazer parecer
que ela estava a voar.
5.

Sans titre, Saint Tropez, 1975
“Nada
foi retocado, nada foi modificado pelos meios electrónicos, fotografei aquilo
que se vê.”- Helmut Newton
Nesta
foto verificamos: os bonecos representam o homem , ela a mulher. A história que
consigo apreender desta foto é que ela quase se afogou no mar e foi resgatada
por esta dupla de mergulhadores, que estavam ali por acaso. Na fotografia
verifica-se que um está a imobilizá-la e outro prestes a fazer respiração boca
–a –boca, prestes a ocorrer o seu
possível salvamento. A mulher está com os olhos entreabertos,
inconsciente, desmaiada, vulnerável, o que é um contraste entre o tamanho da
mulher e o dos bonecos, a sua grandeza e a pequenez dos bonecos.
Podemos
fazer uma associação com Guliver- a grandeza desta mulher vs a pequenez dos bonecos/homens.
De
onde surgiu esta mulher?
Os
bonecos são um acrescento artístico , quando Newton diz que nada foi retocado,
nada foi modificado nos meios electrónicos, fotografei o que vi, uma leitura possível
é que os bonecos foram colocados com um propósito de encenação, criação de um
efeito de levantar questões.
Podemos
relacionar esta fotografia com o termo de Freud, inquietante estranheza (Das
Unheimliche), termo que resulta de um artigo de Freud com o mesmo nome (“Das
Unheimliche”, 1919), em que o autor aborda numa perspectiva psicanalítica este
conceito da estética presente, por excelência, na obra de E. T. A. Hoffmann.
Incluindo-se no que suscita o medo, das Unheimliche é aquele
terror que remonta ao que é desde há muito conhecido e ao qual se está há muito
acostumado.
O
efeito do unheimlich é atingido na ficção quando o autor se situa
aparentemente no campo da realidade, ou, não esclarecendo o seu ponto de
partida, extravasa para o mundo do fictício, induzindo em dúvida e enganando o
leitor. É condição, que o leitor se tenha posto por dentro da personagem que
vividencia a inquietante estranheza, sendo esta mais resistente, quando
proveniente de complexos infantis recalcados.
Newton
conseguiu proporcionar os meios para
produzir a sua imaginação.
Apoiámos
a nossa liberdade na noção de “Obra aberta” de Umberto Eco- liberdade de
interpretação. A ideia de obra aberta (Umberto Eco) pressupõe a polissemia, que são
os múltiplos significados da obra.
Todas as interpretações são possíveis?
Dois sentidos da obra aberta:
1-
a obra não está fechada.
2-
a liberdade de interpretação do espectador e o seu papel na completude
da obra.
Na página 173,“a obra aberta”, como proposta de um campo de
possibilidades interpretativas, como configuração de estímulos dotados de uma
substancial indeterminação de modo que o fruidor seja levado a uma série de
“leituras” sempre variáveis, estrutura, enfim como “constelação” de elementos
que se prestam a diferentes relações recíprocas.
O
processo criativo na foto em que a mulher June entra, o auto-retrato em que ele expõe o processo de trabalho com a sua mulher.
A
vida dele é o trabalho. Acesso ao retrato e à semelhança das meninas de
Velasquez, à luz de Foucault que diz que esta é a primeira obra onde se mostra
o processo criativo, temos acesso ao objecto/centro da obra, ao modelo, àquilo
que supostamente tínhamos direito a ver, por outro lado, ao nos dar a ver
aquilo que está por detrás, ao inacessível, Newton está a fazer-nos não apenas
espectadores daquela possível obra para passarmos a ser espectadores
co-presentes do processo criativo da obra.
Jacques Lacan, secundado por Antonio Quinet,
sustenta que a pintura As Meninas e a tela de costas nela contida fazem
parte de um jogo apresentado por Velásquez, como uma carta virada para o
espectador, o que obriga a todos que olham a obra a arriarem as suas cartas, dando suas interpretações. Dessa óptica,
tentaremos também baixar nossas cartas, apresentando nossas conclusões e
interpretações como frutos da nossa imaginação.
6.

Self
Portrait
with Wife and Models, Paris, 1981

É uma foto de uma modelo totalmente vestida,
com um smoking masculino Yves Saint Laurent, que resume a importância de seu
“olhar” para o mundo.

Lisa Lyon II - 1981

Eva
with Pickelhaube, Monte Carlo 1993
Estas fotografias demonstram-nos a força
destas mulheres, tanto pelos acessórios que usam, as botas, o capacete de
guerra e a pulseira de bicos, e também pela posição dos seus corpos. Recorre
aqui ao seu universo fetichista.
"Fashion is never anything but an amnesiac substitution of the
present for the past" Roland Barthes
A influência de Helmut
Newton na fotografia contemporânea foi muito importante para as gerações
futuras. Existem remakes das suas fotografias , a partir da obra e a sua
influência no trabalho de outros fotógrafos.
Não só de Vogue
e Big Nudes (1981) se fez a carreira
de Newton, associado eternamente a temas e palavras carregadas como sexo e
erotismo, sim, mas também ao voyeurismo, ao fetichismo e até aos primeiros
caminhos do campo porno chic que
seus contemporâneos ou seguidores (Guy Bourdain, Terry Richardson) sulcaram.
A experiência do olhar
na obra fotográfica de Newton é múltipla: desperta emoções, por via da
sensualidade e do erotismo, produz uma fumarola nostálgica porque nos actualiza
um tempo que já passou.
"Fashion
is both too serious and too frivolous at the same time"
– Rolland Barthes
As décadas de 1950,
60 e 70 podem ser consideradas como os períodos de transição mais profundos da
fotografia de moda e assim, na cultura de moda em geral. Para cada era, um novo
ideal de beleza feminina foi construído, introduzido e comercializado ao
público. No meados ao final dos anos 1950, este modelo mulher foi solto ao ar
livre, para além do anteriormente convencional restritiva e passiva postura. A
nova figura de moda na década de 1960 foi concedida uma maior independência e
uma maior identidade sexual com dinamismo e aumento da actividade. Na década de
1970, o ideal era menos claramente definido, embora esta mulher possuísse uma
qualidade alienígena, uma sexualidade evidente e violência implícita. Diana
Crane reconhece estes períodos de transição na fotografia de moda,
especificamente na maior publicação de moda, a Vogue, no seu livro, “Fashion
and it´s social agendas”. Destacando as mudanças, às vezes subtis, outras vezes
evidentes em certos aspectos da fotografia de moda da revista, ela acompanha
este processo de evolução. No ano de 1957, as modelos eram fotografadas muitas
vezes olhando diretamente para a câmara, indicando seu status inferior através
de expressões de vulnerabilidade ao invés de rebeldia. Durante este tempo, o
maior foco das fotografias manteve-se na roupa. Uma década depois, a revista
foi mostrando close-ups de modelos em
fatos de banho e houve uma crescente ênfase na sua juventude.
Retrospectivamente, a
fotografia de moda constitui um documento histórico que nos oferece evidência
das práticas e ideais de um determinado período. No entanto, a fotografia de
moda não é apenas um reflexo passivo de um período, ela serve como um veículo
para fazer circular novos padrões de
consumo ligada à evolução das noções do eu interior.
Além disso, as
imagens do formulário falam da essência do tempo. Estudiosos como Walter
Benjamin, Mary Douglas e Rolland Barthes observaram e têm reforçado, a moda funciona como uma
linguagem, um funcionamento a diversos níveis e a fotografia de moda é o meio
através do qual essa língua é falada por causa da sua enorme capacidade de
reprodução e difusão. O vestuário, tal como qualquer forma de mercadoria, é um
modo de comunicação. " O homem precisa de mercadorias para se comunicar
com os outros e para entender o que está acontecendo ao seu redor”. As duas
necessidades são apenas uma, para comunicação só pode ser formada num sistema estruturado
de significados". A moda, as roupas são a identidade do utente e a imagem
de tais indivíduos de solicitação ou de provocação de discursos sobre a cultura e a sociedade numa escala
maior.
No ensaio de Caroline
Evans "Yesterday´s Emblems & Tomorrow´s Commodities”: O retorno no
imaginário de moda hoje," a autora faz referência a muitas das ideias e temas
presentes no trabalho de Barthes. Ao descrever a posição contemporânea e a
forma que leva o quadro económico, Evans usa terminologia semiótica para
construir o seu argumento, afirmando que a peça de roupa agora circula numa
economia contemporânea como parte de uma rede de sinais, onde o vestuário real
é um sinal de si.
Para apoiar esta
declaração, a função maior da moda na cultura, Finkelstein observa como Barthes
retém uma metáfora do sistema semiótico, porém Barthes reconhece a fluidez e as
ambiguidades inerentes à estrutura de aparência elegante que forçam os seus
códigos para se manter aberta .
A moda,
independentemente do conteúdo simbólico que anima uma ou outra manifestação do
mesmo, gravita em direcção à designação ou à destruição do significado, porque
se alimenta de si mesmo (na capacidade de induzir outros a seguir
independentemente da moda) em breve neutraliza ou estiliza qualquer significado,
os seus significados tinham antes de se tornar objetos de moda.
O comportamento quase
parasitário da moda mantém a sua posição problemática e o seu caráter de
contradição. Barnard observa que Barthes escreveu: "Moda é muito séria e
demasiado frívola ao mesmo tempo". Em termos de suas qualidades opostas e
divergentes. Ele dá à moda um estatuto, nomeando-a "o sonho da
identidade" e dedica muito tempo à
natureza da moda na cultura e os significados que ele se comunica.
Bibliografia:
Newton, Helmut, White Women; Schirmer
Mosel
Newton,Helmut, Photo; Avril 2012
Newton,Helmut, Provas de contacto, Midas
2009
Eco, Umberto, Obra aberta, Difel 1962